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Quando a democracia se torna arma de propaganda

13-12-2021

No passado dia 26 de novembro os embaixadores da Rússia e da China em Washington publicaram, na revista The National Interest, o artigo de opinião conjunto sobre a iniciativa da chamada "cimeira pela democracia" a realizar-se virtualmente nesta semana.

Desta forma as duas grandes potências com o PIB combinado de 16,2 triliões de dólares, ou seja mais de 19% do valor mundial, que têm desenvolvido as relações de parceria estratégia e têm cooperado ativamente tal no formato bilateral, como no âmbito dos organismos multilaterais (ONU, BRICS, Organização de Cooperação de Xangai, diálogo Rússia - India - China), demonstram a sua unidade quanto à avaliação deste projeto controverso de Joe Biden.

É importante destacar que a "cimeira" gera polémica não só em Moscovo e Pequim. Porque para políticos, diplomatas e peritos é evidente que a realização deste evento traçará, sem dúvida, as novas linhas divisórias no mundo e de forma nenhuma contribuirá para a junção dos esforços da comunidade internacional no combate contra novos desafios e ameaças, inclusive a pandemia do coronavírus ou terrorismo e extremismo.

Do ponto de vista de bom senso, a escolha dos participantes é dubitável, tendo em consideração que " a democracia é um conceito muito elástico", como realçou, e bem, o ex-secretário-geral-adjunto da ONU Victor Ângelo no seu recente artigo no Diário de Notícias. O facto de não terem sido convidados alguns membros da União Europeia ou da NATO (que consideram a si próprios faróis da democracia no mundo) pode ser visto como questionável e já provocou o enfraquecimento efetivo na posição do Ocidente neste "fórum".

Se a intenção dos dirigentes em Washington tivesse sido de discutir as formas de aperfeiçoamento da democracia em todos os países no mundo, então os seus representantes teriam de ser convidados.

Caso contrário, a iniciativa não passa de um clube de interesses que pretende tomar decisões de uma forma unilateral e bastante confortável, sem qualquer oposição significativa ou necessidade de procurar compromissos, para depois as impingir ao resto da comunidade internacional.

É exatamente desta maneira que está a ser desvalorizado o papel das organizações internacionais relevantes, nomeadamente das Nações Unidas ou das suas agências especializadas, e substituído o Direito Internacional pelo simulacro da "ordem mundial assente em regras". Neste contexto, convém lembrar a proposta do Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin, de convocar uma cimeira dos países - membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU que serviria para uma discussão franca e aberta sobre os desafios mais graves da atualidade e poderia incluir o assunto do declínio da democracia.

Quanto à iniciativa da Casa Branca, não levantaria questões se tivesse sido chamada "encontro dos amigos dos Estados Unidos da América". Mas quando se decide a organizar uma "cimeira pela democracia", então tem que ser global e visada à promoção dos princípios democráticos à base do respeito mútuo pela soberania, história e tradições dos Estados.

Além disso, a repartição artificial dos membros da comunidade mundial para os dois campos opostos e a colocação de rótulos pelo Estados, cujos valores democráticos são frequentemente vistos com grande ceticismo (basta mencionar o relatório do International Institute for Democracy and Electoral Assistance ao que se refere senhor Victor Ângelo no artigo supracitado), aprofundará ainda mais a desconfiança e tensão nas relações internacionais. 

Embaixador da Rússia em Portugal

Fonte: DN